terça-feira, 2 de junho de 2015

Na Porta da Escola

Estudamos um texto cujo título era Porta de Colégio, de Affonso Romano de Sant'Anna.

O texto - uma crônica, gênero em estudo naquele momento - fazia parte de uma das unidades do livro didático "Português-Linguagens", de Thereza Cochar e William Cereja (autores dos quais gosto muito!), livro do PNLD.

O narrador-personagem passava em frente à porta de um colégio e o burburinho dos adolescentes lhe chamou a atenção. Ele se deixou ficar ali por uns momentos, imaginando a vida de cada um daqueles jovens no futuro.

Fizemos leituras silenciosa e oral, debatemos um pouquinho as ideias do texto, respondemos às questões de entendimento textual, interpretação e linguagem do texto. Passamos para as características da crônica. 

Como gosto de fazer algo lúdico na medida do possível, listei os destinos citados no texto (ser dona de butique, casar com um diplomata, morrer numa rodovia, representar o país na ONU etc) e atribuí letras a cada um. Depois, num sorteio, fui dizendo para cada aluno da turma qual seria o "seu" destino. Eles gostaram bastante da brincadeira! Mas nem todos gostaram do destino que lhes coube...

E para finalizar, pedi que tirassem uma foto da porta da escola em horário de entrada ou saída e escrevessem baseando-se na foto. Não exigi o gênero, mas tive esperanças de que alguns escrevessem crônicas. E foi o que aconteceu. Os trabalhos ficaram ótimos e compuseram um mural.






















Curioso é que no livro didático a crônica não estava na íntegra e, mais tarde, ao ler o texto todo, pude perceber quais trechos foram omitidos... deixarei em itálico para podermos visualizar melhor. Tirem suas próprias conclusões.

"Porta de Colégio
Passando pela porta de um colégio, me veio uma sensação nítida de que aquilo era a porta da própria vida. Banal, direis. Mas a sensação era tocante. Por isto, parei, como se precisasse ver melhor o que via e previa.

Primeiro há uma diferença de clima entre aquele bando de adolescentes espalhados pela calçada, sentados sobre carros, em torno de carrocinhas de doces e refrigerantes, e aqueles que transitam pela rua. Não é só o uniforme. Não é só a idade. É toda uma atmosfera, como se estivessem ainda dentro de uma redoma ou aquário, numa bolha, resguardados do mundo. Talvez não estejam. Vários já sofreram a pancada da separação dos pais. Aprenderam que a vida é também um exercício de separação. Um ou outro já transou droga, e com isto deve ter se sentido (equivocadamente) muito adulto. Mas há uma sensação de pureza angelical misturada com palpitação sexual, que se exibe nos gestos sedutores dos adolescentes. Ouvem-se gritos e risos cruzando a rua. Aqui e ali um casal de colegiais, abraçados, completamente dedicados ao beijo. Beijar em público: um dos ritos de quem assume o corpo e a idade. Treino para beijar o namorado na frente dos pais e da vida, como quem diz: também tenho desejos, veja como sei deslizar carícias.

Onde estarão esses meninos e meninas dentro de dez ou vinte anos?

Aquele ali, moreno, de cabelos longos corridos, que parece gostar de esportes, vai se interessar pela informática ou economia; aquela de cabelos loiros e crespos vai ser dona de butique; aquela morena de cabelos lisos quer ser médica; a gorduchinha vai acabar casando com um gerente de multinacional; aquela esguia, meio bailarina, achará um diplomata. Algumas estudarão Letras, se casarão, largarão tudo e passarão parte do dia levando filhos à praia e praça e pegando-os de novo à tardinha no colégio. Sim, aquela quer ser professora de ginástica. Mas nem todos têm certeza sobre o que serão. Na hora do vestibular resolvem. Têm tempo. É isso. Têm tempo. Estão na porta da vida e podem brincar.

Aquela menina morena magrinha, com aparelho nos dentes, ainda vai engordar e ouvir muito elogio às suas pernas. Aquela de rabo-de-cavalo, dentro de dez anos se apaixonará por um homem casado. Não saberá exatamente como tudo começou. De repente, percebeu que o estava esperando no lugar onde passava na praia. E o dia em que foi com ele ao motel pela primeira vez ficará vivo na memória.

É desagradável, mas aquele ali dará um desfalque na empresa em que será gerente. O outro irá fazer doutorado no exterior, se casará com estrangeira, descasará, deixará lá um filho - remorso constante. Às vezes lhe mandará passagens para passar o Natal com a família brasileira.

A turma já perdeu um colega num desastre de carro. É terrível, mas provavelmente um outro ficará pelas rodovias. Aquele que vai tocar rock vários anos até arranjar um emprego em repartição pública. O homossexualismo despontará mais tarde naquele outro, espantosamente, logo nele que é já um don juan. Tão desinibido aquele, acabará líder comunitário e talvez político. Daqui a dez anos os outros dirão: ele sempre teve jeito, não lembra aquela mania de reunião e diretório?

Aquelas duas ali se escolherão madrinhas de seus filhos e morarão no mesmo bairro, uma casada com engenheiro da Petrobrás e outra com um físico nuclear. Um dia, uma dirá à outra no telefone: tenho uma coisa para lhe contar: arranjei um amante. Aconteceu. Assim, de repente. E o mais curioso é que continuo a gostar do meu marido.

Se fosse haver alguma ditadura no futuro, aquele ali seria guerrilheiro. Mas esta hipótese deve ser descartada.

Quem estará naquele avião acidentado? Quem construirá uma linda mansão e um dia convidará a todos da turma para uma grande festa rememorativa? Ah, o primeiro aborto! Aquela ali descobrirá os textos de Clarice Lispector e isto será uma iluminação para toda a vida. Quantos aparecerão na primeira página do jornal? Qual será o tranqüilo comerciante e quem representará o país na ONU?

Estou olhando aquele bando de adolescentes com evidente ternura. Pudesse passava a mão nos seus cabelos e contava-lhes as últimas estórias da carochinha antes que o lobo feroz os assaltasse na esquina. Pudesse lhes diria daqui: aproveitem enquanto estão no aquário e na redoma, enquanto estão na porta da vida e do colégio. O destino também passa por aí. E a gente pode às vezes modificá-lo."